quinta-feira, 24 de julho de 2014

A evolução da população mundial, desde a pré-história até os dias atuais

Tamanho da população mundial ao longo dos tempos


População mundial em milhões de pessoas
(de 1.000.000 a.C. até hoje)
A tabela completa se encontra no final (com as fontes dos dados).

  
Diversos autores estudaram a evolução da população mundial. Não há registros antigos, então foram utilizadas estimativas a partir de registros de historiadores antigos, achados arqueológicos, programas de computador, etc.
A estimativa mundial geralmente é feita por estimativas regionais. Mas é difícil estimar populações de povos que só foram descobertos mais recentemente, como é o caso dos habitantes nativos da América.
A tabela utilizada para gerar o gráfico (e que se encontra ao final deste capítulo) foi gerada a partir das publicações de vários autores. Quando somente um autor indicava o tamanho da população para uma determinada data, este valor foi utilizado. Quando havia conflitos, tentou-se pegar um valor médio (desde que próximo dos números sugeridos) ou um dos valores foi tomado como certo, pela relevância da publicação.



Mudanças e Eventos Principais



Pelo gráfico total, pode-se notar que a população na pré-história, tinha um crescimento baixo e estável (sublinear). Pode-se notar também que, a partir de 1800 (como será discutido adiante), o gráfico sobe muito rapidamente, sugerindo uma função exponencial.
Abaixo são comentados alguns eventos que se destacam durante esta evolução.

Pré-História e Idade Antiga




Pode-se notar que o surgimento das primeiras civilizações fez o gráfico subir rapidamente. No início da agricultura, o crescimento era linear. Depois veio a ser exponencial.

Antes disto, houve uma época climática conhecida como Dryas Recente, onde prevalecia uma espécie vegetal tipo tundra, com clima muito frio e seco. Esta época é posterior a um pequeno aquecimento que ocorreu logo após a última Era Glacial.
É possível que o clima frio tenha refreado o crescimento da população, principalmente porque a expectativa de vida era baixa, por dificuldades em encontrar comida e suportar o frio. Praticamente, não havia avós. Segundo Jared Diamond, a expectativa de vida era de 26 anos.

Após este período, o clima aquece e se torna estável. Aí é que surge a agricultura como um modo de vida alternativo aos caçadores-coletores. Como isto se deu e por que a agricultura foi aceita em diferentes e independentes lugares do mundo, é tema de outro capítulo. A característica principal dos povos que viviam da agricultura é que tinham excedentes de comida e não dependiam mais tanto das variações da natureza ou da disponibilidade de caça (até porque há uma hipótese de que houve grandes extinções nesta época, principalmente de grandes mamíferos).

Com a agricultura, surgem as primeiras cidades (e depois chamamos de civilizações). Com elas, funções diversas não ligadas à produção de alimento (artesãos, militares, governantes, engenheiros, etc.). Apesar de alguns pontos controversos, a população cresceu, porque a expectativa de vida aumentou, porque mulheres poderiam cuidar dos filhos pequenos trabalhando menos e ficando em casa e porque grávidas não precisavam se deslocar como era antes na vida nômade,
As controvérsias incluem:
- a domesticação de animais trouxe mais vírus para o convívio, especialmente porque as cidades antigas não tinham separação muito definida de espaços para criar animais, para agricultura, para dormir, etc.;
- a dieta baseada em vegetais era mais pobre; isto pode ter sido contrabalançado pela domesticação de animais; a expectativa de vida pós-agricultura baixa de 26 para 19 anos (Jared Diamond);
- surgimento de guerras entre cidades; há quem diga que havia também entre tribos nômades, mas só não se consegue descobrir registros.

O artigo de Jared Diamond detalha melhor estas controvérsias.

Surgem também as primeiras inovações, como roda, diques, ferramentas, especialmente com aquela que é considerada a primeira civilização: os sumérios. Geoffrey West (discutido adiante) acredita que mais pessoas juntas tendem a gerar mais inovações. Segundo Ray Kurzweil, esta é a Lei do Retorno Acelerado (inovações crescendo exponencialmente).


Idade Média


Durante 1o milênio d.C., quase não houve crescimento na população mundial (ficou estagnada). Uma causa possível, segundo Durand, seria a escassez de recursos e as poucas inovações que surgiram nesta época (Idade das Trevas).
Após o primeiro milênio, há uma subida no gráfico, talvez pelo aquecimento global (conhecido como aquecimento medieval).
Entre 800 e 1300 d.C., a temperatura média na Terra ficou 3 graus mais quente que a média atual. Foi nesta época que a Groenlândia teve fazendas e os Vikings chegaram à América (ver mapa da Groenlândia).




O aquecimento gerou secas em alguns lugares, e isto pode ter gerado quedas em algumas populações, como por exemplo os Maias (esta é a hipótese para a dizimação dos Maias, já que há registros arqueológicos de um período prolongado de seca entre 1020 e 1100).
Mas a principal razão da uma queda na população mundial foi a peste negra, que exterminou 1/3 da população da época (estimativa de 75 milhões de pessoas), durante o século XIV.

Houve, ao final da Idade Média e início da Idade Moderna, uma pequena era glacial com temperaturas médias de 0,5 a 1o C inferior à média atual. Neste período, o Rio Tâmisa ficou tão congelado em um certo ponto, que até uma feira de inverno foi realizada sobre o rio (em 1607). Entre 1645 e 1715 houve um período com pouca atividade solar (manchas solares eram raras), que ficou conhecido como “o mínimo de Maunder” (ver artigo de John A. Eddy), coincidindo com um período de temperaturas abaixo da média em toda a Europa. O inverno de 1708 a 1709 foi o inverno mais rigoroso já registrado.


Idades Moderna e Contemporânea



A partir de 1800, pode-se notar crescimento exponencial. As causas serão explicadas a seguir.


Causas para crescimento exponencial no século XIX

No início do século XVIII e durante todo aquele século e o seguinte, diferentes inovações surgiram entre a Europa e os EUA. A característica principal desta revolução era a substituição do trabalho humano ou animal por máquinas. Com isto, surgem indústrias, locais que concentravam as máquinas e seus trabalhadores. A primeira mudança radical é que as pessoas agora não trabalhavam mais no mesmo local onde residiam, como nos tempos medievais ou feudais, quando a agricultura era a principal atividade econômica. Surge a dicotomia casa-trabalho. Como a população crescia linearmente, as oportunidades no campo não seguiam no mesmo ritmo, principalmente porque as terras estavam concentradas nas mãos de poucos. As indústrias então atraem muita gente do campo para as cidades. Mais gente junta, mais casamentos e nascimentos. Entre 1750 e 1850, a população da Inglaterra quase triplicou. E segundo Andrade e Souza (2011), a cidade de Londres aumentou em 5 vezes sua população entre 1801 e 1891.
E toda esta movimentação era facilitada com o surgimento das ferrovias, atravessando países.
Muitas inovações diminuíram a carga de trabalho físico sobre humanos. Isto não que dizer que a jornada de trabalho diminui, muito pelo contrário aumentou e os chefes passaram a cobrar horários de entrada, saída e intervalos, como engrenagens mecânicas feitas de ferro e homens (criticado no filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos”).
Havia muitos luxos disponíveis, uma vez que muita coisa era produzida em massa e com preços baixos. Mas para os operários a vida era muito difícil e já começava desde a infância. Até artesãos foram trabalhar nas fábricas, porque os produtos que faziam antes agora eram colocados no mercado mais rapidamente e com menor preço pelas indústrias.
As cidades cresceram sem planejamento. As maiores da Europa eram Londres e Paris. Operários moravam próximos das fábricas, que sujavam os céus e rios. Ruas estreitas, casas miseráveis, sem água limpa ou rede de esgotos. Segundo Macedo, não havia o hábito de tomar banho, devido à falta d’água e às dificuldades de sua eliminação, nem o hábito da troca de roupas ou mesmo de lavá-las.
Diversas doenças proliferavam (ver Bresciani).
Até a comida era industrializada. Certamente, condições para diminuir a expectativa de vida da população.
Os rios estavam contaminados. Em 1610, as águas do Tâmisa foram consideradas não potáveis. E o cheiro era insuportável.
As grandes cidades também possuíam grandes centros bancários e financeiros. E isto atraía ainda mais pessoas. Mas havia grande desigualdade social.
Imagine ruas estreitas, becos, prostitutas, ladrões, ratos e sujeira, operários bêbados degradados pelos baixos salários e falta de oportunidades. Tudo isto somado a intelectuais publicando teorias revolucionárias. Este é o contexto da Revolução Francesa, mas também se encaixa no ambiente de Karl Marx, Max Weber, Frederich Engels, etc. Leia o livro de Victor Hugo, ou assista ao filme ou musical sobre “Os Miseráveis”.

Por outro lado, surgem iniciativas para melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades. Em 1796, é descoberta (ou inventada ?) a vacina contra a varíola, por Edward Jenner. O Dr. Snow descobre que a causa da disseminação da cólera em Londres (gerando uma epidamia entre 1850 e 1860) era a água e não o ar.
Surge o urbanismo: uma tentativa de fazer planejamento para o crescimento das cidades.
São criadas redes e sistemas de captação de esgoto.
Em Paris, uma grande reforma é solicitada por Napoleão III, encabeçada pelo Barão Georges-Eugène Hausmann, entre 1852 e 1870. O objetivo primeiro era fazer uma reforma urbana para promover melhorias em manobras militares, principalmente para evitar os motins com barricadas nos becos de Paris (bem descritos por Victor Hugo em “Os Miseráveis”). A reforma transformou Paris num enorme canteiro de obras. Pontas foram criadas mas rebaixadas para não atrapalhar a visão estratégica militar. Vastos boulevards, jardins e parques foram criados derrubando quarteirões inteiros (principalmente de moradores pobres).


Ver foto de Charles Marville (disponíveis no The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque)


Conforme Macedo, algumas leis trabalhistas foram criadas na Inglaterra para proteger os trabalhadores, bem como foram feitas melhorias em assistência médica e hospitalar, fornecimento de abrigos e alimentos aos desempregados. Conforme Macedo ainda, “para as elites dominantes, a preocupação era controlar os novos segmentos populares e lhes impor um sentido de ordem. Para as lideranças revolucionarias, o crescimento populacional, abria a possibilidade de uma presença maior da classe operária no cenário político, fato que lhes dava esperanças de transformações a curto prazo.”

A circulação e a higienização também melhoraram. Antes, era preciso sair às ruas de Paris com sombrinhas e guarda-chuvas, pois as pessoas recolhiam dejetos em penicos, que depois eram descarregados pela janela. A cidade fica mais arborizada e iluminada. A urbanização de Paris inspira Júlio Verne a escrever o livro “Paris no século XX”, imaginando o futuro da cidade dali a 100 anos.

Este site compara a Paris antes e depois de Hausmann:
Além de Londres, Haussmann influênciou várias outras cidades na França, nas colônias francesas e na Europa tais como Torino, Viena, Bruxelas (Andrade e Souza, 2011).

Na Espanha, Cerdà planeja uma nova Barcelona em 1859. A preocupação era com habitação e circulação. Cerdà pensa na cidade como um todo (segundo o que hoje chamamos de “pensamento sistêmico”): haverá fluxo simultâneo de pedestres, de carruagens e trens elétricos; cabos devem ser subterrâneos.


Malthus Revisitado

A teoria malthusiana dizia que a população cresceria em taxas maiores que a produção de alimentos e que, por isto, faltaria comida e haveria mortes.
A previsão ainda não se cumpriu. Muitos acham que, com o avanço tecnológico, isto nunca acontecerá.
Entretanto, estamos vivenciando uma crise de recursos naturais. Já há previsões muito pessimistas sobre a disponibilidade de água potável para um futuro não muito distante. Também estamos enfrentando problemas com espaço para armazenar o lixo que produzimos. Países desenvolvidos enviam seus lixos em contâiners para países pobres (pagando por isto). Ilhas paradisíacas que recebem milhares de turistas por ano separam um lado da ilha para armazenar o lixo produzido pelos resorts.
Além disto, há uma elevada concentração de renda e que só aumenta. É possível que a renda seja tão escassa daqui a alguns anos que os mais pobres precisem viver como os servos e escravos nas antigas cidades (o historiador Fustel de Coulanges conta em detalhes como era a vida nas cidades antigas).
Também não estamos salvos de epidemias. A epidemia de H1N1 em 2009 provou a fraqueza do ser humano e das sociedades ante um vírus desconhecido. O perigo aumenta por causa da globalização, onde mais pessoas e mercadorias circulam, seja por questões profissionais ou por lazer, e até mesmo a comida hoje é globalizada, podendo ser transportada dos locais de produção até os centros de consumo em curto tempo.

Geoffrey West e parceiros estudam as cidades atuais e projetam futuros sombrios. A complexidade aumenta à medida que as populações crescem. Já temos vários cidades no mundo com mais de 10 milhões de habitantes. Governos, empresários e sociedade civil não conseguem propor soluções. West descobriu características que seguem uma proporção linear ao número de habitantes de uma cidade: número de postos de gasolina, índices de crimes, PIB, número de patentes, etc.

Hoje a população urbana é de 50% (ou seja, metade da população mundial vive em cidades). Em 2050 será de 70% (Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division: World Urbanization Prospects).

West explica por que as cidades aumentam cada vez mais: quando uma cidade dobra de tamanho, ela só precisa aumentar 15% de sua infraestrutura. E segundo as estatísticas, isto acontece em qualquer cidade do mundo, não importando o país, renda, posição geográfica, história, etc.



Fontes de dados populacionais:



BLAINEY, Geoffrey. A Short History of the World. Penguin Books Australia, 2000.


COCHRAN, Gregory & HARPENDING, Henry. The 10,000 year explosion: how civilization accelerated human evolution. NY: Basic Books, 2009.


DURAND, John D. Historical Estimates of World Population: An Evaluation. Population and Development Review, v.3, n.3, Sep., 1977, p. 253-296.


KREMER, Michael. Population growth and technological change: one million B.C. To 1990.
The Quarterly Journal of Economics, v.108, n.3, Aug 1993, p.681-716.


LEAKEY, Richard E.; LEWIN, Roger. Origens: o que novas descobertas revelam sobre o aparecimento de nossa espécie e seu possível futuro. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1980 (original: 1944).


McEVEDY, Colin & JONES, Richard, M. Atlas of World Population History. Puffin, 1978.
NIELSEN, Ron W. & NURZYNSKI, Jan. Computer simulations of the extinction of megafauna
Environmental Futures Centre, Gold Coast Campus, Griffith University, Qld, 4222, Australia, September, 2013.


Bibliografia:


ANDRADE, Aridson Renato Monteiro & de SOUZA, Célia Ferraz. A circulação das ideias do urbanismo: desde o século XIX até Brasília, nos anos 60. Porto Alegre, notas de disciplina. 2011.

BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.

DIAMOND, Jared. The Worst Mistake in the History of the Human Race. Discover Magazine, May 1987, p. 64-66.


EDDY, John A. The Maunder Minimum. Science, v.192, n.4245, 18 June 1976, p.1189-1202.


FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga. 4a ed. SP: Martins Fontes, 1998. (Original: la cité antique)


de MACEDO, José Emerson Tavares. A cidade de Londres no século XIX: uma abordagem sobre os marginalizados. Alpharrabios, Revista do Curso de História. s.d.

MALTHUS, Thomas Robert. An Essay on the Principle of Population. Malthus Press, 2013.

WEST, Geoffrey. The surprising math of cities and corporations (palestra). Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=XyCY6mjWOPc




Anexo – tabela com a população mundial por ano


Tabela completa utilizada para gerar o gráfico (com as fontes dos dados)

ano população em milhões fonte
-1000000 0,12 Michael Kremer
-300000 1 Michael Kremer
-100000 0,5 Cochran e Harpending
-60000 0,25 Cochran e Harpending
-25000 3,3 Michael Kremer
-14000 4,2 Ron W Nielsen & Jan Nurzynski
-11000 5 Ron W Nielsen & Jan Nurzynski
-10000 6 Cochran e Harpending
-8000 10 Leakey e Lewin
-5000 15 Ron W Nielsen & Jan Nurzynski
-3000 60 Cochran e Harpending
-2000 90 Geoffrey Blainey
-500 100 Atlas of World Population
-200 150 Atlas of World Population
0 170 Michael Kremer
1 275 Durand
1000 280 Durand
1250 380 Durand
1400 370 Atlas of World Population
1000 410 Leakey e Lewin
1500 500 Atlas of World Population
1650 545 Leakey e Lewin
1750 728 Leakey e Lewin
1800 906 Leakey e Lewin
1850 1171 Leakey e Lewin
1900 1600 Leakey e Lewin
1950 2500 Leakey e Lewin
1960 2900 Leakey e Lewin
1965 3300 Leakey e Lewin
1970 3500 Leakey e Lewin
1975 3900 Leakey e Lewin
1980 4400 Atlas of World Population
1985 4800 Atlas of World Population
1990 5200 Atlas of World Population
1995 5600 Atlas of World Population
2000 6000 Leakey e Lewin
2010 7000 Atlas of World Population

domingo, 20 de julho de 2014

A História do Dinheiro

Este é um capítulo do meu futuro livro "Uma Breve História do Empreendedorismo".
Boa leitura.


A história que vou contar aqui é um resumo. Os detalhes que eu não contar podem ser encontrados nos livros de Niall Ferguson (A Ascensão do Dinheiro) e de Alexandre Versignassi (Crash - uma breve história da economia). Entretanto, a minha história tem detalhes a mais, principalmente no que tange a novos (e mais modernos) usos do dinheiro.

Tudo começa com o escambo, o comércio pela troca de mercadorias. Até os animais fazem isto. Alguns machos dão algo material, como pedras e plantas, para a fêmea em troca de acasalamento. Outros animais dão comida, abrigo ou mesmo proteção. E se não recebem algo em troca, aí dava briga (ver livro de Matt Ridley, "As Origens da Virtude").

Com os nossos ancestrais não foi diferente. Os caçadores-coletores trocavam comida. Imagine alguém que tenha caçado um bisão (um enorme búfalo da pré-história), o qual dava para uma família se alimentar por 2 ou 3 dias, se a carne não estragasse ou não viessem urubus e hienas. Matt Ridley disse em seu livre que o mamute era um bem público. Toda a tribo se beneficiava, mesmo os que não tinham participado da caçada, os chamados aproveitadores (cheaters). Mas o sortudo caçador compartilhava o resultado porque sabia que outro dia ele poderia ser o azarado. E estes caçadores trocam comida com os coletores, que iam atrás de frutos e sementes. Geralmente, a divisão destas tarefas era por sexo, cabem aos homens a caça e às mulheres a coleta.

Mas como trocar a carne de um mamífero enorme por alguns poucos frutos e sementes. Talvez, me parece que naquela época não havia muito senso de medidas neste sentido, e tais trocas não eram medidas por peso ou pelo esforço em conseguir a comida.

Mas quando surge a agricultura, gerando excedentes de comida, a coisa muda. Uma tribo que conseguisse armazenar trigo além do necessário para seu sustento, mesmo contando os meses de “vacas magras”, esta tribo iria trocar seu excedente com outra tribo na mesma situação. Especialmente, se os excedentes fossem de cereais diferentes.

De início, talvez as tribos não soubessem bem como fazer as trocas, talvez fosse por peso ou volumes. Mas quando a primeira pessoa daquela época pensou em “justiça”, começou a mediar também o esforço para conseguir a comida, a quantidade de excedentes, o tamanho da necessidade da outra tribo, e assim nasceu o sentido de valor.

Nesta época também começa o comércio a longas distâncias. Uma tribo caminhando até outras. E aí, e com a invenção dos barcos, o uso dos rios para chegar a tribos mais distantes. Surgem os primeiros mercadores de profissão, que não pertenciam a tribos produtoras mas faziam o trabalho de transporte cobrando comissão, provavelmente, uma parcela da carga.

Outro problema daquela época era a dificuldade de ficar levando mercadorias de um lugar a outro.

E quando alguém quisesse vender seu excedente futuro, ou seja, prometia dar de volta algo que iria ainda colher. Então surgem as tábuas de crédito, feitas de argila. E isto foi o que impulsionou a invenção da escrita. As tábuas registravam débitos e créditos, principalmente os futuros. Mas se uma troca presente tivesse alguma diferença (o que seria o “troco” hoje), esta poderia ficar registrada para ser compensada no futuro. Antes das tábuas escritas, os débitos e créditos eram marcados como pedras colocadas dentro de jarros. Certamente, o registro em tábuas facilitou muito tal tarefa. A escrita facilitou registrar quem estava devendo, quem era o credor, qual a mercadoria e a quantidade ou valor.


Nas primeiras civilizações, logo no início da agricultura, diferentes tarefas poderiam ser recompensadas com diferentes valores. Como comparar o trabalho de limpar um campo, com o de construir uma casa, com o que levar uma mercadoria de uma tribo para outra ?

Aí surge a ideia de uma medida genérica ou geral, que pudesse ser usada para comparar mercadorias e serviços diferentes.

Registros arqueológicos contam que conchas (geralmente usadas como ornamentos) eram usadas para tal. Niall Ferguson conta que na China, mais de mil anos antes de Cristo, já se usavam conchas como moeda de troca.

Depois veio o sal e o gado. Imagine a dificuldade para conseguir sal. Muitas cidades primitivas não tinham salinas. Era necessário fazer uma expedição ao deserto, com camelos, água, provimentos e homens. Até hoje, em desertos da África, não é tão simples quebrar tijolos de sal ao sol de 50 graus celsius. Some-se a isto o risco de ladrões roubarem a mercadoria e assassinarem a todos. Então surgem os primeiros empreendedores no sentido mais específico: os que investem em resultados futuros assumindo o risco da perda.

Por isto, pelo seu alto valor, o sal passou a ser utilizado como “moeda” de troca, para equiparar valores distintos. Por isto, até hoje chamamos nossos vencimentos de “salário”. Porque na Roma antiga o pagamento de serviços era feito com sal.

O gado também foi utilizado por certo tempo como moeda de troca e medida de valor. Esta é a origem dos termos “pecúnia” e "pecúlio". A palavra "capital" refere-se a cabeça (de gado).

A dificuldade com as mercadorias era o transporte. Também ficava difícil trocar gado por coisas menores. Por isto, algo menor precisava ser utilizado como moeda de troca. Assim, surgem os metais. Segundo Adam Smith, o metal era melhor porque podia ser dividido. Outra vantagem é que os metais não apodrecem se guardados. E quanto mais difícil para obtê-lo (assim como o sal), maior seu valor, e melhor como medida de troca.

Segundo Versignassi, os metais obedecem a dois critérios que são necessários para uma moeda de troca:
1. Precisa ser uma coisa que todo mundo queira.
2. Não pode ser algo muito abundante.

Por isso mesmo, a comida foi a primeira coisa a servir como dinheiro (antes mesmo do surgimento do ser humano). Segundo ainda Versignassi, o dinheiro é uma invenção que permite que uma manicure compre pão sem ter que fazer as unhas do padeiro. O garante o valor do dinheiro é a fé. Alguém aceita o dinheiro porque acredita que outros também irão aceitar.

Mas para garantir peso, material e origem dos metais, os governos passaram a cunhar moedas. E a garantia era a estampa (lembra de "dai a Cesar o que é de Cesar" ?). Conforme Versignassi, em "Lídia, uma cidade-Estado que ficava na atual Turquia, por volta de 600 a.C., o governo resolveu acabar com a confusão fundindo metais preciosos na forma de pepitas com peso e grau de pureza predeterminados e imprimindo uma gravura em cada uma das peças, como um selo de autenticidade".

Então, segundo Fustel de Coulanges, o dinheiro passou a ter 3 funções: meio de troca, unidade de contagem e forma de armazenar valor. Além disto, segundo aquele mesmo autor, o dinheiro permitiu que a riqueza passasse de mão em mão, ao contrário da terra, a qual alguns nunca receberam. E foi o que permitiu a ascensão das classes inferiores (comerciantes ou burgueses).

Os primeiros bancários surgiram em Veneza na Idade Média. Sentavam em bancos à espera de quem precisasse de moedas, tanto para investimentos e pagar dívidas quanto para utilizarem em viagens. E assim surgem as primeiras agências de câmbio, trocando moedas diferentes e lucrando com isto. E também surgem os primeiros especuladores: compravam moeda barata num lugar e vendiam onde elas estavam mais valorizadas.

Segundo Ferguson, "na Idade Média, surgiu o costume de se guardarem os valores num ourives, pessoa que negociava objetos de ouro e prata. Este, como garantia, entregava um recibo. Com o tempo, esses recibos passaram a ser utilizados para efetuar pagamentos, circulando de mão em mão e dando origem ao papel-moeda."

O valor total do dinheiro em papel moeda deveria ter um equivalente. Até 1973, o lastro do dinheiro era o ouro. Segundo Versignassi, "todo o ouro minerado ao longo da história caberia num prédio de sete andares" (142 mil toneladas). Ou seja, um relógio de ouro fabricado hoje pode ter parte do ouro utilizado numa moeda do antigo Império Romano. Depois de 1973, o lastro do dinheiro passou a ser o dólar (Ferguson).

Segundo Versignassi, a essência da ideia do dinheiro era que as pessoas acreditavam nas moedas cunhadas pelo Governo justamente porque o Estado garantia que elas eram de ouro ou de prata puros. Mas a quantidade de ouro e prata era limitada pela extração. Então um tal Sólon passou a cunhar moedas com mistura de metais, ou seja, não era ouro ou prata puros. Como o Governo aceitava tal dinheiro, o povo também começou a aceitar. Essa é a essência da desvalorização do dinheiro. Isto permite ao governo pagar suas dívidas, investir em obras públicas, tanto hoje como era na Antiguidade.

O difícil do dinheiro, seja moeda ou papel, é achar a medida de troca entra todas as coisas disponíveis para serem compradas (seja material ou serviço).  O real sentido de medida até hoje ainda não é bem definido. Isto é discutido no capítulo sobre o lucro. A dificuldade está em determinar quanto de uma mercadoria equivale a uma certa quantidade de outra mercadoria. Se falarmos de serviços então, a dificuldade é maior. Algumas mercadorias, pela sua utilidade, são mais procuradas do que outras e por isto possuem mais "valor". Este é o conceito de "valor",  que será abordado mais adiante neste livro, no capítulo referente ao lucro.

Para que o dinheiro funcione, basta que seja aceito como tal. É por isto que vales em papel dentrode uma empresa (garantidos pela assinatura do gerente), vale-transporte e vale-alimentação também são usados como moeda de trocas. Em algumas comunidades do Brasil, há moedas comunitárias aceitas dentro da comunidade apenas. A real função do dinheiro neste caso é servir como garantia para pagamento futuro.

É o que acontece com o cartão de crédito também. O inventor deste tipo de dinheiro esqueceu a carteira num jantar. Então pensou que poderia fazer cartões para seus amigos pagarem jantares, sem precisar que levassem a carteira. E assim criou o Diner´s Club.

Hoje temos dinheiro virtual ou eletrônico. Ele está no banco mas passa de conta para conta, através de diversos tipos de operações: pagamento de boletos, transferência bancária, cheques. Não é mais necessário carregar dinheiro no bolso, ir até o banco ou caixas eletrônicos. E mais recentemente os pagamentos eletrônicos com maquininhas e até mesmo dispositivos móveis como celulares e tablets.
Estamos cada vez mais utilizando diferentes tipos de dinheiro. As milhas aéreas e os pontos em programas de fidelidade podem ser trocados por mercadorias, dinheiro em conta e até mesmo comercializados entre clientes.

A grande inovação são as moedas virtuais ou digitais. No mundo virtual do Second Life havia uma moeda de troca interna a este ambiente digital. Ela permitia comprar bens e serviços dentro deste mundo virtual. Mas também tinha um valor de paridade para troca por moedas reais.

O exemplo sensação do momento é o Bitcoin. Como a essência do dinheiro é ter pessoas que acreditem nele, o Bitcoin existe como uma moeda qualquer mas só funciona no grupo de pessoas que acreditam nele. Mas este grupo está crescendo cada vez mais. O objetivo é que pessoas possam receber pagamento e pagar com esta moeda no mundo real. Há até terminais eletrônicos (cash dispensers) para tais operações. A ideia central é ter computadores espalhados pelo mundo, utilizando um algoritmo criado por Satoshi Nakamoto, para garantir quem tem Bitcoins e o quanto possuem. Isto evita gastos duplos. Bitcoins podem ser guardados em computadores como uma carteira virtual ou em serviços prestados por terceiros.

Bitcoin é a implementação de um conceito chamado "criptomoeda", descrito originalmente por Wei Dai, em 1988. O interessante é que este tipo de moeda só funciona se houver muitas pessoas apostando. É o contrário do conceito de raridade que fez surgir e evoluir o dinheiro no mundo. Mas atualmente há muita gente acreditando em Bitcoins, o que fez até mesmo surgir especuladores, pensando em ganhar dinheiro com compra e venda como lá na Idade Média.

Mas a grande inovação deste tipo de moeda é que não é necessário ter uma entidade central (banco ou governo) para garantir a autenticidade. A princípio, isto evitaria inflação, pois não a quantidade emitida de Bitcoins é controlada (por uma regra pré-definida). Segundo Ortega y Gasset: "o poder social do dinheiro será tanto maior quanto mais coisas haja para comprar, não quanto maior seja a quantidade do dinheiro mesmo". Por outro lado, este tipo de moeda recebe críticas porque, uma vez que é difícil de ser rastreada, pode fomentar negócios ilegais.



Bibliografia:


FERGUSON, Niall. A ascensão do dinheiro - a história financeira do mundo. São Paulo: Planeta do Brasil, 2009.

FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga. 4a ed. SP: Martins Fontes, 1998. (Original: la cité antique)

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 1930. (e-book)

RIDLEY, Matt. The origins of virtue - human instincts and the evolution of cooperation. Londres: Penguin books, 1996. (em português, "As origens da virtude").


VERSIGNASSI, Alexandre. Crash : uma breve história da economia: da Grécia Antiga ao século XXI. São Paulo: Leya, 2011.

sábado, 19 de julho de 2014

Tributo a Alberto Santos Dumont - O Bandeirante dos Ares

Acabei de ler o livro "O que eu vi, o que nós veremos", escrito em 1917 (publicado em 1918) por Alberto Santos Dumont, o pai da aviação para brasileiros e europeus. Impossível não admirar este inventor, cientista, gerente de projetos e empreendedor (nascido em 20 de Julho de 1873).
Desde jovem, SD (vou abreviar assim) já se interessava por novidades e invenções. Talvez a inspiração tenha vindo da leitura dos livros de Júlio Verne, a quem admirava como romancista e visionário.
SD veio de família e rica, e isto lhe deu mais oportunidades. Financiamento para estudar, ir a Paris ver as grandes exposições e implementar seus projetos e experimentos. Talvez Gladwell e outros tenham razão ao afirmar que "rich get richer".
Mas o interesse do jovem SD não era dinheiro.Talvez fama sim. E também ver suas ideias e projetos comentados em jornais, aplaudidos presencialmente e utilizados para o bem da Humanidade.
Entendeu desde cedo que precisava estudar para inventar ou por em prática suas ideias. Orientado por seu pai, procurou aprender com especialistas em mecânica, física, química, eletricidade, etc.
Fez 14 protótipos de balões. Foi o primeiro a conseguir dirigir um balão. O último dos protótipos deu sustentação ao aeroplano que ficou conhecido como 14 Bis.
Era meticuloso e planejava soluções. Chegou a ficar 3 anos sem levantar um protótipo. Após este tempo, veio o famoso 14 Bis. Estuda antes os problemas que poderiam acontecer, e procurava melhorar cada item. Escolhia bem seus assistentes. Aqueles que já tinham queimado balões não eram escolhidos.
E tratava bem mecânicos e operários. Quando ganhou o prêmio Deutsch, deu metade para aqueles. A outra metade pediu para ser distribuída entre milhares de famílias pobres de Paris. Realmente, seu objetivo não era lucrar com aviões.
Foi visionário porque conseguiu antever que sua criação poderia encurtar distâncias e diminuir tempos. Poderia levar pessoas, cargas e correspondências através dos oceanos.
Anteviu e aconselhou que o avião seria utilizado em guerras. E viu isto acontecer na 1a Guerra Mundial. Ao contrário do que muitos dizem, SD era a favor do uso de aviões na guerra.
Foi visionário também porque aconselhou o presidente do Brasil a investir na aeronáutica, tanto para construção de aviões quanto para formação de pilotos e exércitos aéreos. Também viu a possibilidade de unificar as Américas, contra o poderio europeu. Os aviões poderiam cruzar de norte a sul as Américas, e ainda passar por sobre os Andes.
Morreu em 23 de Julho de 1932. Dizem que se enforcou ao ver aviões usados para atacar o Campo de Marte, em São Paulo, durante a revolução de 32.
Sua casa em Petrópolis, hoje é um museu. Vale a pena ver o que ele inventou fora do contexto da aviação. Era mais inventor que aviador, como ele mesmo disse sobre si.
Não é reconhecido nos EUA como inventor do avião, porque os irmãos Wright (americanos), diziam ter feito experimentos (não documentados) antes de SD.

Ganhou vários prêmios, medalhas, condecorações e cartas de ilustres, como a Princesa Isabel. Mas talvez a maior consideração veio de uma carta-homenagem de Thomas Edison, chamando-o de "O Bandeirante dos Ares".

domingo, 13 de julho de 2014

MBA em Big Data e Business Intelligence/Analytics - uma proposta de conteúdos

Um amigo me perguntou que conteúdos seriam essenciais a um bom curso de pós-graduação nestas áreas (do título). Pois bem, relaciono aqui minha opinião. São conteúdos mas bem poderiam ser disciplinas do curso. E não necessariamente nesta ordem.

·         Introdução
É importante estudar o contexto atual de dados e análise de dados. Isto inclui estudar o que está acontecendo com as organizações depois da globalização, advento da Internet e redes sociais, e com a evolução da tecnologia, do marketing e do consumo.
Não se pode deixar de estudar o que é Big Data e o que o caracteriza.
Entender a "information explosion" a partir das tecnologias e as mudanças que acarretaram na sociedade.
Isto tudo sem se desconectar da História, a nossa História da Humanidade.
  
·         Tecnologias da Informação
É importante conhecer as tecnologias da informação que permitem coletar, armazenar, tratar e disseminar informações.
Isto inclui o estudo de técnicas (explícita, implícita e por inferência) e tecnologias (sensores, dispositivos, etc) para coleta de dados. Dando especial ênfase às tecnologias móveis. A computação pervasiva e ubíqua (informação anytime  anywhere) é um dos tópicos chave neste conteúdo.
Não se pode também deixar de estudar como as TI se conectam com máquinas e sensores. Isto tudo pode ser resumido no tópico Internet das Coisas (IoT).
Com menor ênfase, mas também com importância, deve-se estudar tecnologias para disseminação de dados (3G/4G, wifi, Near Field Communication, etc).

·         Epistemologia
Estudar o que é conhecimento,  de onde vem, como se armazena, como se valida, é essencial para entender Business Intelligence/Analytics e entender a importância do Big Data. Aqui deve-se retroceder no tempo para entender a História. Começando com estudos gregos sobre o assunto, passando pelo Iluminismo, Empirismo, lógica, método científico, descobertas científicas e até, porque não, estudar as correntes contrárias ao conhecimento, como a Inquisição e o Nazismo.

·         Gestão do Conhecimento
Estudar as técnicas e ferramentas para gerenciar o conhecimento, suas formas de coleta, armazenamento, disseminação, etc.
Um ponto interessante é estudar as formas de incentivo para que pessoas numa organização coletem, armazenem e compartilhem conhecimento.
Não deixar de tratar capital intelectual e ativos intangíveis.

·         Estatística Aplicada
Cada vez mais precisamos entender como aplicar estas técnicas e como interpretar seus resultados. Em especial, estudar como gerar amostras. O importante aqui não são os resultados matemáticos, mas as técnicas e como empregá-las.
Não se pode deixar de estudar a influência de ruídos nas análise e interpretações (bom livro sobre isto é o do Nate Silver, "O sinal e o ruído").

·         Software para BI/BA
Aqui vale momentos de prática em laboratório, experimentando com software e computadores o que realmente acontece quando temos dados disponíveis.

·         Data Mining
Complementando o tópico anterior, estudar as técnicas de mineração e poder aplicá-las em casos reais. Em especial, aprender como é feita a preparação de dados e amostras, e a interpretação de padrões estatísticos no contexto do domínio.

·         Métodos e técnicas para Investigação Científica
Começamos com o método científico de Descartes. Mas também estudar os métodos empregados pelos grandes cientistas, como Isaac Newton (síntese-análise), Galileu Galilei (método da observação), Darwin, Franklin, etc.
Mais recentemente fala-se em e-Science, o 4o paradigma.
Aqui pode-se também estudar como funciona o diagnóstico médico e a perícia criminal.

·         Análise de Causas e Correlação entre Eventos
Alguns chama de Link Discovery (descobrir relações significativas entre eventos). Mas podemos incluir análise de causa raiz, aprendendo com engenheiros.

·         Complexidade
O mundo está mais complexo. A vida das pessoas e o comportamento das organizações e relações comerciais também. Big Data inclui como característica a complexidade. Entender suas características, regras universais e modelos que permitem entendê-la é importante para poder compreender a complexidade dos dados e sistemas.
Também é possível estudar a relação entre sistemas e humanos, e como um influencia o outro (e vice-versa). Um dos assuntos do momento é user experience.

·         Pensamento Sistêmico
Entender sistemas pelo ponto de vista do pensamento sistêmico é mais que analisar somente as partes que compõe o todo. As relações internas e externas também influenciam o comportamento do sistemas.

·         Negócios e Planejamento
Estudar o alinhamento da TI com os negócios, as técnicas, métodos e ferramentas para  planejamento estratégico.
Isto inclui não só entender as divisões e relações entre objetivo, recursos e operações, mas também compreender a importância de pessoas, processos, dados e infraestrutura, como um todo indivisível.

·         Negócios - conceitos básicos e empresariais
Para quem não é formado na área, seria bom entender as técnicas e ferramentas atuais para gerenciar negócios, compreendendo as partes: financeiro, estoque, logística, produção, vendas, relações com fornecedores, marketing, vendas.
E isto tudo no contexto atual de empreendedorismo e os novos modelos de negócio.

·         Economia Básica e Aplicada
Eu sugiro também que se abram as mentes para que possamos entender a economia mundial atual, onde a globalização, capital, tecnologias, etc. agem formando um complexo que acaba influenciando as empresas e profissionais.
Aqui pode-se estudar a História, tentando entender as origens da riqueza e pobreza das nações, os indicadores de riqueza e desenvolvimento humano, as desigualdades, especialmente de renda per capita. Isto inclui também o estudo da sociedade moderna, o capitalismo e o socialismo hoje, o consumismo e o papel dos governos e da livre iniciativa.

·         Prática de Análise de Eventos e Causas
Após tanta teoria, seria bom que os alunos realizassem projetos reais para entender como se dá a investigação e análise de dados para atingir objetivos de negócio.

·         Projeto de Big Data
Definir uma arquitetura de dados, como, quando, onde serão coletados, e como serão armazenados e analisados. Isto tudo em função do negócio.

·         Projeto de Business Analytics

Complementando as práticos anteriores, pode-se fechar o curso com um projeto de análise de dados para apoiar decisões específicas. 

domingo, 6 de julho de 2014

O Colapso do Consenso - como conviver com tantas diferenças

Alvin Toffler, na década de 80 no seu livro "A 3a Onda", escreveu uma seção com este título: o colapso do consenso. Ele já previa o surgimento cada vez maior de muitas minorias diferentes e a dificuldade de integração e convívio. É a superespecialização. Podemos ver isto na moda, nas tribos urbanas, nas religiões, partidos e ideologias políticas, nas diferentes filosofias, teorias científicas e educacionais que aparecem nos livros, ou seja, até mesmo nos produtos que consumimos (existem  revistas de Náutica especificamente sobre lanchas, comida indiana sem glúten, roupa masculina para ginástica em academias fechadas). E isto tudo também se reflete nas diferentes formas de agir do ser humano. Qual é a mais correta ?

Segundo Nelson Rodrigues, "o consenso é burro". A democracia melhorou as decisões nas antigas civilizações, evitando que tiranos centralizadores tomassem decisões sozinhos, sem olhar para o bem de todos. A liberdade de expressão é defendida até hoje como algo imprescindível ao bom convívio e necessária para que o bem sobreviva e os erros não sejam escondidos. A diversidade de opiniões é saudável e, assim como o casamento entre raças diferentes propicia uma melhor seleção de genes, pode gerar ideias e decisões melhores. O problema é que a diversidade está crescendo de forma exponencial.

E as diferenças estão se encontrando em grandes aglomerações. Primeiro, nas cidades. A população urbana é de 50% hoje (ou seja, metade da população mundial vive em cidades). Em 2050 será de 70% (Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division: World Urbanization Prospects). Geoffrey West (A ciência das cidades) diz que as cidades estão ficando muito complexas, e por isto precisam ser administradas de forma sistêmica (trânsito, mercados, política, etc.).

Depois, esta superdiversidade se encontra nas escolas, nos shoppings e até nas manifestações de rua. Numa escola, professores devem aprender a lidar com crianças com etnias e credos muito diferentes. Para o marketing, está cada vez mais difícil fazer campanhas. Hoje se fala em microssegmentação do mercado, em atendimento e produtos personalizados.

Além disto,vivemos numa aldeia global. Um camponês na China que deixa o campo influencia o quitandeiro em Sapiranga, no Rio Grande do Sul. Isto porque ele irá trabalhar por baixos salários em indústrias plantadas na China por grandes empresas para baratear produção. Sendo estes produtos mais baratos, irão concorrer com fábricas de outros lugares. Assim, as indústrias de calçados em Sapiranga irão perder competitividade, fechar as portas e irão demitir seus empregados. Os quais deixarão de pagar suas contas no quitandeiro da esquina.

Seria o correto seguir pela maioria ? Já escrevi sobre a sabedoria das massas.  Ela pode ser útil e funcionar em vários momentos. Mas no final daquele post falei também da tolice das massas. Acrescento alguns exemplos mais: a ascensão de Hitler. Numa Alemanha humilhada, pobre, faminta, devedora, arrasada, surge um salvador da pátria proclamando vingança, nacionalismo e recuperação econômica. Na França, 10 anos após a Revolução Francesa e a Declaração Universal de Direitos Humanos (até hoje respeitada), Napoleão foi feito imperador e começou sua ditadura e política de expansão de territórios através de guerras. E o homem-massa de Ortega y Gasset vai atrás da maioria (manipulada ou não).

Nem sempre o que a maioria quer ou acredita ser mais correto é o mais certo. Lembro de um filme onde uma cidadezinha estava sendo aterrorizada por um demônio. Ele propôs um trato: levaria um consigo para deixar o povo. Alguns queriam aceitarar, acreditando que o sofrimento de um poderia livrar os demais. Outros não achavam justo que um pagasse por todos. Principalmente, porque o tal demônio queria uma criança. O povo Maia aceitava que uma jovem deveria ser dada em sacrifício aos deuses para uma boa colheita. A família da jovem escolhida se sentia lisonjeada por esta escolha.

Antigamente o povo seguia o líder. Este era o detentor da verdade e da justiça. Foi assim com Abraão, Moisés, Salomão e outros reis da Bíblia. As primeiras cidades eram governadas por pessoas que assumiam os postos de sacerdote e rei ao mesmo tempo. Elas tomavam as decisões e eram respeitadas e obedecidas. Para mais detalhes, ver o livro de Fustel de Coulanges.

Nem maioria nem uma única liderança. Para Michael Sandel (The moral limits of markets, What money can´t buy, Justice), isto não é bom para a democracia. A democracia exige que pessoas diferentes se encontrem, se choquem e negociem as diferenças, para que cada pessoa possa se importar com o bem comum.

Entretanto, Sandel critica a estratificação beneficiada pelo dinheiro. Seu exemplo clássico são os estádios com lugares com preços bem diferentes. Em 1960, a diferença entre o ingresso mais caro e o mais barato era de 3 dólares. Era um lugar onde classes diferentes se encontravam e compartilhavam mesmas alegras e tristezas, inclusive a mesma comida. Ele chama o fenômeno atual de skyboxificação ou camarotização (lembram o Rei do Camarote ?). E isto está acontecendo não só nos esportes, mas também em escolas, bairros, transporte coletivo, etc. É claro que tal diferenciação não tem sua origem nos dias atuais. O famoso Coliseu de Roma já tinha divisão de lugares por classes sociais. Eu costumo dizer que os espetáculos de massa estão sendo elitizados Tudo está sendo transformado em Cirque du Soleil. O de lona já não é mais atrativo.

Uma das soluções possíveis é a representação. Na democracia grega, nem todos votavam; havia representações. A representação é confortável pois outra pessoa faz por mim (bom hoje em dia porque estamos sempre sem tempo). Aí entra o dinheiro e deturpa tudo. Na Grécia Antiga, quem não tinha tempo, pagava para outro lhe representar nas decisões. Mas num mundo complexo, com diferentes ideias, ideologias e filosofias, cheio de enganadores e com milhões de pessoas sendo representadas por apenas uma, a representação tende a não funcionar.

Além disto, é difícil determinar quem realmente tem direito a decidir. Os países colonizadores fizeram grandes conquistas e expansões, mas agora fecham suas fronteiras e segregam os imigrantes ou descendentes, dizendo que estes não possuem direitos.

E o que falar das mudanças de opinião. Nem o representante nem o povo representado tem obrigação de manter seus princípios e convicções por toda a vida. Mas Robespierre foi líder da revolução, chegou a governar a França por pouco tempo e logo depois foi guilhotinado. Para mais detalhes, ver o livro sobre a Revolução Francesa.

Vivemos numa época realmente difícil de definir e pré-determinar tudo. As definições hoje são nebulosas e não únicas ou imutáveis. O que é uma família, uma raça, um casamento, um casal, um filho, uma escola, uma empresa ?

E está cada vez mais difícil dizer o que é certo e o que é errado.

Para encerrar, um conselho dado por Bertrand Russell, numa entrevista (Face a Face com Bertrand Russell, BBC), em 1959:
"Neste mundo que está ficando cada vez mais interconectado, nós temos que aprender a tolerar uns aos outros. Nós temos que aceitar o fato de que algumas pessoas dizem coisas que não gostamos. Nós só podemos viver juntos desta forma, se nós vivermos juntos e não morrermos juntos. Nós precisamos aprender a bondade da caridade e da tolerância. O que é absolutamente vital para a continuação da vida humana neste planeta."



Referências:
  
BLUCHE, Frédéric; RIALS, Stéphane; TULARD, Jean. Revolução Francesa. Porto Alegre: L& PM, 2013.


FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga (4a ed.). São Paulo: Martins Fontes,1998. (original: La Cité Antique).