terça-feira, 29 de dezembro de 2015

As origens do nosso atraso



Esta é a introdução da 2a parte do meu futuro livro sobre a História da Inovação e do Empreendedorismo no Brasil. 
Nesta parte do livro, tentarei explicar possíveis causas para o atual atraso econômico do Brasil. A maior parte dos argumentos foram tirados de outros autores e não necessariamente são conclusões minhas. Um pouco de parcialidade é claro que deve estar incluída nos textos, mas a intenção era ser o mais isento possível.

Alguns autores publicaram livros tentando explicar as razões para as desigualdades econômicas entre países. Tentei aqui nesta parte do livro fazer analogias com as causas apontadas por estes autores, para tentar entender se as mesmas causas se aplicam ao caso do Brasil.

Comecei lendo livros históricos como o de Adam Smith (A riqueza das nações) publicado em 1776, cujo principal tema é o liberalismo econômico. Uma das razões para a riqueza dos países seria a pouca intervenção do Estado nos negócios. Adam Smith acreditava que o egoísmo de cada um faria uma sociedade melhor. Ou seja, o Homem, procurando seu próprio sucesso econômico, desenvolveria empreendimentos lucrativos para si. A inovação, o empreendedorismo e as invenções viriam da necessidade da população, ao mesmo tempo, gerando benefícios para a sociedade através de bens e serviços, e também gerando retorno financeiro ao empreendedor. Veremos mais adiante que nem mesmo os países onde esta teoria possui mais defensores deixam o comércio tão livre assim.
Outros livros históricos que podem nos apontar razões para as diferenças atuais são “Capitalismo Socialismo e Democracia” e “Teoria do Desenvolvimento Econômico” de Schumpeter e “Ética protestante e capitalismo” de Max Weber (1904).
Schumpeter defendia que a inovação vinha em ondas e que uma inovação puxava outra. Este é o Processo de Destruição Criativa e é o motor do capitalismo. As inovações revolucionam a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo o velho e criando uma nova era. As ondas de criação e desenvolvimento econômico criam novos paradigmas e novos mercados. Esta pode ser uma causa provável para a diferença entre países. Discutiremos isto numa das seções seguintes, falando de tecnologias disruptivas (países que saem na frente tendem a ter melhores resultados – líderes de mercado).
Já Max Weber discute como os princípios protestantes impulsionaram empreendedores e negócios, enquanto que a tradição católica freou o crescimento em alguns países. Mais adiante teremos um tópico só para discutir a relação entre religiões versus inovação e empreendedorismo.
O livro histórico de Jean-Jacques Rousseau (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens) descreve as diferenças entre pessoas. Rousseau fala de causas naturais (idade, saúde, porte físico, etc.) e causas morais ou políticas. As primeiras se referem a qualidades do corpo e espírito (ou alma). Incluem capacidades físicas, que podem ser desenvolvidas ou inatas, mas que também podem não depender da vontade da própria pessoa. Mais adiante, falaremos de germes e saúde pública. As qualidades do espírito incluem as atitudes, positivas ou negativas, otimistas ou pessimistas, vontade e desejo, que podem influenciar ações e gerar melhores resultados. Trataremos um pouco disto quando falarmos das origens do Brasil, principalmente comparando nossos conquistadores com colonizadores que fizeram crescer os EUA e outros países. Já as causas morais e políticas de Rousseau incluem dominações, por força ou esperteza, que também trataremos mais adiante em diversos tópicos.
Rousseau também supõe que as desigualdades entre pessoas podem surgir de diferenças em vocações e divisão do trabalho. A divisão do trabalho começou nos grupos primitivos, onde homens caçavam e mulheres coletavam. Mas foi com a invenção da agricultura que as especializações de funções surgiram, porque nem todos precisavam trabalhar para gerar alimentos. Ali surgem as primeiras profissões do mundo e talvez influenciadas pelas diferenças que Rousseau aponta como naturais (ex. alguns tinham mais habilidades para construir diques enquanto outros eram melhores para ensinar) ou políticas (ex. donos de propriedades gerenciavam trabalhadores braçais, ricos entravam com dinheiro para guerra e pobres participavam como soldados).

Ao final do século XX, David Landes publicou um livro sobre “A riqueza e pobreza das nações (Landes, 1998). Alguns dos pontos apontados por este autor condizem com a nossa história e serão explicados adiante, incluindo a questão do clima quente, da geografia alongada de nosso território e outras causas.
Jared Diamond escreveu 2 livros que tratam de assuntos pertinentes ao nosso questionamento. Um deles (Germes, armas e aço) resume em 3 as causas para as diferenças econômicas entre países. Os germes se referem a diversas situações onde exploradores ou conquistadores chegaram em terras novas e passaram seus germes para os nativos. Na maioria dos casos, os tais exploradores eram europeus. Como as fronteiras da Europa estavam abertas e os caminhos eram curtos, os povos se miscigenaram ou se cruzaram formando estruturas genéticas mais resistentes a doenças. Já os nativos que só conheciam as suas próprias terras não tinham tanta resistência a novos germes. As armas se referem ao poderio militar e refletem a ideia óbvia de que povos com armas melhores conquistam os demais. Na parte anterior deste livro, já descrevemos como a Inglaterra exerceu forte pressão sobre o Brasil durante anos, usando como influência seu poderio militar. O aço é uma questão mais recente e remete à Revolução Industrial. Países onde a revolução aconteceu primeiro estão na frente hoje. O aço se refere tanto a ter conhecimento para criar máquinas quanto ter fontes de energia como carvão e petróleo para sustentar as máquinas. A posse de máquinas e indústrias já não é mais fator de vantagem, como será discutido logo em seguida, uma vez que já estamos na era do Conhecimento (a 3ª Onda).

O outro livro de Jared Diamond é “Colapso”, que tenta explicar porque grandes e poderosas civilizações fracassaram, entre elas o Império Romano. Algumas destas questões dizem respeito ao nosso atraso e serão tratadas nesta segunda parte do livro.

Nesta mesma linha de pensamento, mas pensando pelo lado contrário, uma edição especial da Revista National Geographic de 2014 procurou apresentar por que os grandes impérios prosperaram. O estudo aponta similaridades entre os povos que conquistaram grandes territórios, a saber:
a) poderio bélico: antigamente o território era ampliado pela guerra e isto assegurava matérias primas e riquezas naturais (ouro, açúcar, especiarias, petróleo, energia). Hoje em dia, o domínio técnico e comercial é o grande diferencial, contrapondo-se à extração. Entretanto, países que possuem petróleo ainda estão entre os mais ricos. Por exemplo, Venezuela e vários países africanos possuem altos índices de exportação em regiões muito pobres. Além disto, ainda há guerras por territórios onde há petróleo, como por exemplo as Ilhas Malvinas disputadas por Argentina e Inglaterra e a região da Crimeia, disputada por Rússia e Ucrânia).

b) organizações administrativas fortes: antigamente serviam para a cobrança de impostos. Hoje são responsáveis pelas infraestrutura de transportes e educação. Uma das razões para a estabilidade chinesa é a presença de bons funcionários públicos.

c) padronizações: nos pesos e medidas, na língua e religião. Foi assim que a China se formou. Hoje ela enfrenta dificuldades justamente por suas enormes diferenças internas. E é assim também que países se dividem (União Soviética, Iugoslávia, Tchecoslováquia).

d) absorver povos e aproveitar sua cultura: este é um processo enriquecedor e destrutivo. Constrói um novo povo mas pode matar os antigos. Se os conquistadores se misturarem com os locais, poderão ser melhor recebidos. Foi uma das razões para o sucesso do império romano no fim da antiguidade e na Idade Média: conquistavam e firmavam cidades, onde os conquistados poderiam fazer parte do império, inclusive através de casamentos entre povos. Foi assim também na conquista da América, e lembramos em especial o “cunhadismo” no Brasil, já explicado antes.

e) achavam que estavam lidando com povos que não estavam na mesma condição (que eram inferiores).

Sobre a questão apontada no item (d) acima, Moog (2011, original de 1957) fez uma comparação entre a colonização dos EUA e do Brasil, tentando explicar as diferenças históricas. E isto, como será discutido adiante, explica muitas diferenças econômicas e sociais atuais.
Recentemente, Thomas Piketty publicou um dos livros mais comentados nos últimos tempos: O Capital no século XXI. O livro é de tamanha importância que está sendo comparado a “O Capital” de Karl Marx. Ele analisa séries históricas para demonstrar o nível de desigualdade nos principais países. Ele fala da desigualdade de renda e de riqueza e suas consequências. Mas também explora as possíveis causas para a desigualdade entre grupos sociais, incluindo as econômicas, sociais, morais e políticas. Muitas destas questões serão abordadas neste livro.
Há um grande debate sobre Capitalismo X Socialismo, qual o melhor modelo econômico. Francis Fukuyama (“The End of History and the Last Man”) acredita que o capitalismo venceu (o que ele chama de democracia liberal), que não há outro modelo econômico melhor. Seus argumentos são baseados na decadência ou fim dos regimes comunistas (União Soviética, aberturas recentes em Cuba e China, e deterioração da liberdade na Coreia do Norte).
Por outro lado, alguns autores acreditam que nem Governo nem o setor privado (empresas capitalistas) podem dominar. Este é o fundamento do recente livro de Henry Mintzberg “Renovação Radical”. Ele acredita que um país precisa de um terceiro setor forte (a sociedade civil). Este pensamento é corroborado por Niall Ferguson em “A grande degeneração” e por Acemoglu e Robinson em “Why nations fail (por que as nações fracassam)”, os quais exaltam a importância das instituições para um país equilibrado e próspero (e neste grupo, incluem-se também instituições governamentais e os 3 poderes equilibrados como pensou originalmente Montesquieu).
Sobre a Economia do Brasil, um excelente relato histórico é feito por Bresser Pereira (Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula), explicando razões para o desenvolvimento do Brasil ao longo de nossa história recente. Há também o livro de Lacerda e outros (2010), contando em detalhes o desenvolvimento da economia brasileira. Vale também citar o livro de Faoro (Os Donos do Poder), contando sobre a questão jurídica na História do Brasil, mas dando também muitos detalhes da vida econômica e da sociedade durante Brasil Colônia e Império.
Sobre o Brasil também, há o livro de Neill Lochery contando detalhes dos acontecimentos que precederam a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial e também dos eventos durante a Guerra. Seu livro expõe algumas consequências disto, as quais serão analisadas aqui neste livro.
Sobre a História do Brasil em geral, há os excelentes livros de Afrânio Peixoto e Eduardo Bueno, mas deve-se salientar o tratado escrito por Darcy Ribeiro sobre a formação do povo brasileiro.
Sobre a agricultura e sua influência na Economia, muitas informações foram tiradas do livro de Michael Pollan (O dilema do onívoro). Mas o livro também conta como os alimentos chegam a nossa mesa e discute questões polêmicas como transgênicos e política agrícolas. Além disto, há o ótimo livro de Albuquerque (1987) sobre a Economia Agrícola no Brasil.
Muitas informações sobre a Europa e o Mundo na Idade Média foram tiradas do livro organizado por Umberto Eco.
Sobre a Revolução Industrial, a nova era do Conhecimento, a divisão do trabalho entre humanos e máquinas e sobre o emprego de tecnologias em geral, foram consultados os livros “A 3a Onda” de Alvin Toffler (2007), “Race against the machine” de Brynjofsson e McAfee (2011), “The New Division of Labor - How Computers are Creating the Next Job Market” de Frank Levy e Richard J. Murnane (2012) e também três livros de Jeremy Rikfin: “A Terceira Revolução Industrial”, “O Fim dos Empregos” e “"The Zero Marginal Cost Society: The Internet of Things, the Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism".
Outros livros que foram consultados incluem: “Os Fundamentos da Liberdade” de Friedrich A. Hayek (1983), “A Grande Transformação” de Karl Polanyi (2011, 2a edição), “The Great Stagnation” de Tyler Cowen (2011), “New Rules for the New Economy” de Kevin Kelly (1998), “Crash: uma breve história da economia” de Versignassi (2011), “Uma breve história das crises econômicas” de Waldon Alves (sem data),
Alguns livros consultados falam da História da Humanidade em geral, entre eles os 2 livros de Van Loon (“Ancient man - the beginning of civilizations”, 1922; e “The story of mankind, 1921) e “Uma breve história do mundo” de Geoffrey Blainey (2000).

Nas seções seguintes, iremos detalhar cada possível causa para nosso atraso em relação a países mais desenvolvidos ou ricos.