terça-feira, 10 de novembro de 2015

Colonização X exploração – os nossos pioneiros

Este é um capítulo do meu futuro livro que se chamará "As Origens do Nosso Atraso - A História da Inovação e do Empreendedorismo no Brasil e comparações com outros países".




Colonização X exploração – os nossos pioneiros

Como já discutimos antes, o império romano conquistava os novos territórios para não impunha sua cultura (somente algumas leis e regras tributárias); assimilavam a cultura dos povos conquistados e deixavam bem-feitorias por onde passavam (estradas, aquedutos, monumentos, banhos públicos, técnicas de construção, etc.).

Conforme Souza (2012), a razão do predomínio comercial da Alemanha na Europa medieval consistia “no fato de não procurar dominar politicamente os países bálticos, mas favorecê- los, através do alargamento do comércio e incremento da economia dessa imensa região. Para tal, além de compradores em larga escala dos produtos nacionais, promoviam a venda dos mesmos nos mercados internacionais.”

Por outro lado, em muitos outros casos, os colonizadores destruíam os territórios, como invasores bárbaros e vândalos na Europa Medieval, levando tudo o que podiam e sem deixar nem mesmo algum traço cultural que pudesse ser aproveitado.

Como já discutimos antes, alguns colonizadores antigos, como a Inglaterra, apesar de deixar obras de infraestrutura, também regulavam a economia conquistada, limitando o crescimento dos colonizados. Isto foi uma das causas que impediu os países do hemisfério sul de se desenvolverem.
Segundo Frieden, em geral, os colonos cultivavam produtos que os nativos não queriam produzir. Mas se opunham à inclusão dos habitantes locais no sistema colonial, impedindo uma integração econômica internacional ampla e o desenvolvimento econômico em geral da colônia. Como já discutido antes, mesmo o governo colonizador restringia as atividades econômicas das colônias; dirigiam o mercado local forçando as colônias a produzirem produtos escolhidos e determinando as relações de comércio exterior das colônias. A estratégia era permitir os pioneiros a empreenderem mas sempre sob controle centralizado, reforçando a dependência da colônia. Em parte, isto pode ter sido causa para fracassos de colonização na América Central e do Sul, África, Ásia e Oceania.

Mas há também casos de sucesso, como nos EUA e na Austrália. Nestes dois países, os colonizadores foram pioneiros e fundaram um novo país. No Brasil, pelo contrário, fomos colonizados por exploradores, que extraíram o que podiam e só formaram uma extensão de Portugal. Até mesmo povos invasores, como os holandeses, deixaram mais bem-feitorias e desenvolvimento que os portugueses. Nossos pioneiros queriam enriquecer depressa, para voltar à Europa, sem cultivar as lavouras para perpetuar a exploração do solo, sem deixar infraestrutura para os que ficavam (Faoro).

Segundo Frieden, as colonizações dos europeus foram caracterizadas por migrações em massa para áreas pouco habitadas, como os pampas argentinos e as pradarias canadenses, onde normalmente os
imigrantes e seus descendentes eram praticamente toda a população local. Os colonizadores atuavam onde não havia ninguém. Então não escravizavam nem roubavam; ali criavam suas cidades e seus próprios recursos.

Segundo Landes, muitos colonizadores, como o caso dos americanos, inventaram o que precisavam, pois não podiam depender do governo colonizador. Esta pode ser a origem do espírito empreendedor na América do Norte, ao contrário da falta em outras colônias.

Esta busca por empreendedorismo e liberdade pode ter sido decisivo na independência de algumas colônias. Landes afirma que a força das sociedades civis pode ter acelerado o processo de independência no Norte (onde a separação da colônia aconteceu primeiro), enquanto que no Sul esta força faltava devido à acomodação civil, mesmo onde não havia ditadores. E Landes complementa dizendo que, a principal instituição civil, a Igreja Católica, estava interessada em manter seu staus quo, proprietária de terras e riquezas. No caso da América Latina, Landes acredita que a independência veio menos por questões ideológicos ou políticas e mais pela fraqueza e insucesso econômico de Espanha e Portugal.

- O Caso do Brasil


Vamos começar apresentando a comparação feita por Moog (2011) entre os colonizadores norte-americanos e os portugueses no Brasil. Os primeiros eram realmente colonizadores, pois chegaram à América para ficar e criar um novo país. Vieram em busca de terras, já que na Europa não havia lugar para eles plantarem. Não pensavam em regressar e o objetivo era criar vilas e cidades. Já os primeiros portugueses que aqui chegaram, eram conquistadores e vieram por cobiça (verdadeiros saqueadores). O objetivo era extrair o que pudessem e levar para Portugal e Europa (“conquista para despovoar”, como define Moog). Os poucos que ficavam, era porque não havia outra opção. Eduardo Bueno (2006) retrata bem os nossos pioneiros como náufragos, traficantes e degredados. Ficavam porque conseguiam algum tipo de privilégio junto aos indígenas. Darcy Ribeiro (1995) chama de “cunhadismo”, o fenômeno de estes pioneiros casarem com índias, passarem a fazer parte da tribo, inclusive ajudando a comandar, e levando para dentro da tribo os seus familiares.

Outra diferença entre a colonização na América do Norte e na do Sul é que por aqui havia muito mais miscigenação. Lá, os ingleses não casavam com índios. Segundo Karnal et al. (2007), o “universo inglês, mesmo quando eventualmente favorável à figura do índio, jamais promoveu um projeto de integração. O índio permaneceu um estranho – aliado ou inimigo –, mas sempre estranho”. A estratégia de colonização norte-americana era que viessem famílias (mulheres e filhos), para que os homens quisessem estabelecer raízes e não mais voltar, como conta Michael Rank (2015) no episódio do povo Roanoke.

Já os portugueses que aqui chegaram estavam acostumados com cruzamentos, até porque foram invadidos e ocupados por mouros durante 800 anos (Moog, 2011). Landes acredita que um certo racismo inglês (por causa do protestantismo) evitou a miscigenação racional, enquanto que as colônias espanholas e portuguesas (católicas) tinham uma mente mais aberta ao cruzamento inter-racial. Segundo Le Roux (2009), a miscigenação pode ser a origem da união na América Latina. Entretanto, nos EUA, a homogeneidade do povo manteve a união com a qual já chegaram.

Outra questão é que os colonizadores ingleses na América, assim como na Austrália, encaravam o trabalho como algo natural, inclusive assumindo a mulher como companheira de trabalho. Por isto, criam diversas inovações com o pouco que tinham na nova terra. Já os nossos pioneiros viam o trabalho como punição e consideravam que trabalhar era para escravos. Vinham sem as esposas para extravasar sua liberdade e hedonismo (Moog, 2011). Segundo Faoro: “o inglês trouxe a sua mulher para a colônia, ao contrário do português, que a esqueceu, preocupado com a missão de guerra e de conquista, adequada ao homem solteiro. Mulher sem o cuidado do ócio, para a qual o escravo supria os trabalhos domésticos, devotada ao cultivo, à colheita, às tarefas industriais domésticas, ao trato com empregados”.

Mais tarde, os imigrantes não descendentes de portugueses que chegaram no Brasil depois vieram com o mesmo espírito que os colonizadores norte-americanos, como discutiremos no próximo capítulo.

Tabela 10: Resumo comparativo entre Colonizador Norte-Americano X Brasileiro (baseado em Moog, 2011)
Colonizador americano
Colonizador do Brasil
Colonizador
Homem da Reforma
Vida é dever
Mulher é companheira de trabalho
Não se miscigena com índios (Ingleses) Alguns Franceses no Canadá aceitam casar com índios
Pouca miscigenação de brancos com escuros na Inglaterra
Vieram em busca de terras para viver
Não pensavam em regressar
Conquista terra para criar vilas e cidades
Trabalho é uma dádiva de Deus
Vêm autodeterminados a formar grupo civil e político (antevisão da independência)
Povo mais alfabetizado
Americano se diz deste o início “americano” (por escolha e com orgulho)
Trabalha, inventa, se adapta
Mantém o passado que deu certo e destrói o que não deu para fazer melhor
Conquistador
Homem da Renascença, anterior à Reforma
Vida é direito
Mulher é um objeto de presa
Casa e tem filhos com índios e negros
Portugueses  acostumados com miscigenação pois foram invadidos e ocupados pelo mouros durante 800 anos

Vieram por cobiça (terra e riquezas)
Pensavam em voltar
Conquista terra para despovoar
Trabalho é punição
Vêm sem pretensões públicas ou políticas
(dependência da colônia)

Primeiros que nasceram aqui não queriam parecer brasileiros (os mazombos).
Viajavam a Portugal para apagar origem
Brasil era para extravasar sua liberdade e hedonismo



O colonizador inglês na América se diz deste o início “americano” (por escolha e com orgulho). Já os primeiros que nasceram aqui no Brasil (chamados de “mazombos”) não queriam parecer brasileiros (até porque este termo estava associado ao trabalho com pau-brasil). Viajavam a Portugal para apagar a origem, careciam de iniciativa ou inventividade, tinham descaso por tudo que não fosse fortuna rápida, tinham falta de ideal coletivo e falta de crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, apesar de idolatrarem os franceses (talvez somente a parte materialista). Segundo Moog, os mazombos eram tristes, imorais, indiferentes, derrotados e com má vontade. Baseavam-se no privilégio, contra a igualdade social ou política, para conseguirem os benefícios. Queria ganhar no jogo, na aventura, sem trabalhar (comércio era para portugueses e trabalho para escravos). Daí talvez seja a origem do nosso famoso “jeitinho brasileiro”. Os próprios portugueses consideravam os mazombos inferiores.

Talvez nossos heróis folclóricos Caramuru e Macunaíma sejam os melhores representantes do Brasil desta época: heróis malandros e preguiçosos, ganhavam sem trabalhar, só enganando os outros.

Conforme Faoro, “o inglês fundou na América uma pátria; o Português, um prolongamento do Estado”. Os colonos ingleses formaram sua própria organização política e administrativa, longe do paradigma feudal de onde vieram. “Não os contaminou a presença vigilante, desconfiada e escrutadora, do funcionário reinol: por sua conta, guardadas as tradições de selfgovernment e de respeito às liberdades públicas, construíram as próprias instituições” (Faoro). Os colonos ingleses estavam acostumados ao duro trabalho agrícola (tanto homens quanto mulheres), sem o desdém aristocrático; agarraram-se à liberdade e ao empreendedorismo sem o ”paternal guarda-chuva real” (expressão de Faoro).

Segundo Karnal et al. (2007), os primeiros colonos norte-americanos também tentaram algo como nossas capitanias hereditárias. Assim como o Brasil, os ataques indígenas aos colonizadores, a fome e as doenças minaram a motivação inicial. A segunda tentativa inglesa de colonização da América do Norte foi licenciando companhias particulares para a colonização. Talvez esta tenha sido a primeira privatização na América. Nossas capitanias hereditárias, ao contrário, estavam sob responsabilidade de nobres, pouco acostumados ao trabalho, à administração e ao empreendedorismo. Nos EUA, eram empresas capitalistas. Como define Karnal et al., uma colonização de empresa e não de Estado.  É claro que no primeiro momento havia o monopólio de certas atividades em favor destas companhias. Entretanto, a iniciativa não deu certo, tendo sido revogadas as licenças destas companhias principalmente pelas altas dívidas.

A terceira tentativa era exportar colonos da Inglaterra para o novo mundo, uma maneira de a colônia se desfazer de quem não gostava e povoar a nova terra para manter a conquista. Segundo Karnal et al. (2007), é incorreto afirmar que para a América do Norte vieram somente colonos seletos, altamente instruídos e com capital abundante. A viagem não era fácil, sendo mesmo comparada ao tráfico de escravos. Muitos não tinham como pagar a passagem e aceitavam a servidão temporária, até zerar o débito com quem lhes tivesse emprestado dinheiro para a viagem. Lá no Norte também houve muitas rebeliões, de colonos reivindicando melhores condições de vida.

Parte dos imigrantes ingleses na América veio pela liberdade religiosa aqui disponível. Segundo Karnal et al. (2007), houve muita perseguição religiosa na Inglaterra nos séculos XVI e XVII. Alguns mesmo acreditavam que a América seria uma nova Canaã, para um grupo escolhido por Deus para criar uma sociedade dos eleitos. Outros vieram procurando um lugar onde as leis fossem mais justas e iguais. Segundo Karnal et al., a “ideia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos.”

Talvez uma das causas para nossa colonização não ter dado certo é porque só havia extrativismo. Os Bandeirantes entravam e extraiam, mas não ficavam. Os pioneiros norte-americanos colonizaram a terra, criando infraestrutura e assumindo o país como sua nova nação. Esta é a diferença da ocupação do oeste do Brasil em relação ao oeste americano e Austrália. O oeste brasileiro só foi realmente povoado com a criação de Brasília.

O resumo de Moog nesta comparação é este: a colonização nos EUA tem sentido espiritual, orgânico e construtivo; no Brasil, o sentido é predatório, extrativista e secundariamente religioso. É por isto que as casas dos americanos possuem porões com oficinas e laboratórios, enquanto a casa grande no Brasil estava sempre lotada de escravos.

Laurentino Gomes (2014) coloca mais lenha na fogueira: “A riqueza de Portugal era resultado do dinheiro fácil, como os ganhos de herança, cassinos e loterias, que não exigem sacrifício, esforço de criatividade e inovação, nem investimento de longo prazo em educação e criação de leis e instituições duradouras. Numa época em que a Revolução Industrial britânica começava a redefinir as relações econômicas e o futuro das nações, os portugueses ainda estavam presos ao sistema extrativista e mercantilista, sobre o qual tinham construído sua efêmera prosperidade três séculos antes. Baseava-se na exploração pura e simples das colônias, sem que nelas fosse necessário investir em infraestrutura, educação ou melhoria de qualquer espécie. ‘Era uma riqueza que não gerava riqueza’, escreveu a historiadora Lilia Schwarcz.

A colonização foi obra do Estado, sem participação de empreendedores. Os poucos comerciantes do início da colonização, como Fernando de Noronha (conforme Eduardo Bueno), tinham privilégios acima dos demais. E evitavam à coroa ter que dispender esforços (bastava pagar as comissões). Conforme Faoro, mesmo a produção de açúcar não era tão importante quanto o pau-brasil, pois aquela exigia mais esforço que esta. Também não houve feudalismo (nem mesmo com as capitanias), porque não havia sobreposição de camadas sociais e tudo pertencia ao governo, sem liberdades aos pioneiros que queriam livremente empreender.

Faoro ainda complementa dizendo que, mesmo com a passagem da economia de escambo para a de produção, há escassez de gêneros de consumo porque os nossos pioneiros queriam enriquecer depressa, para voltar ao reino, sem cultivar as lavouras para perpetuar a exploração do solo. Fábricas, oficinas, exploração agrícola ou mineira, as principais atividades econômicas aqui estão nas mãos de empresas estrangeiras. Estes sim enriquecem com o empreendedorismo. Nossos pioneiros preferem formar um reino de aristocratas ociosos do que ser uma democracia próspera de trabalhadores.



Uma dúvida que se coloca aqui é como esta raiz tão distante na nossa ascendência ainda hoje se faz presente no nosso Brasil. A princípio, não deveria haver determinismo, pois esta cultura, como já diz a palavra, foi aprendida e não está no nosso DNA (como discute David Shenk). Por ser cultura, aprendizado, podemos modificar tal comportamento e atitudes. Ainda mais que tivemos inúmeros imigrantes, muito miscigenação de raças e culturas, e também muito tempo para aprender com outras culturas novas formas de agir e assim modificar nosso destino.